segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Sétimo Dia: Análise de Gn 2.1-3




וַ[1]יְכֻלּ֛וּ[2] הַשָּׁמַ֥יִם וְהָאָ֖רֶץ וְכָל־צְבָאָֽם[3]׃
וַיְכַ֤ל[4] אֱלֹהִים֙ בַּיֹּ֣ום הַשְּׁבִיעִ֔י[5] מְלַאכְתֹּ֖ו אֲשֶׁ֣ר
עָשָׂ֑ה וַיִּשְׁבֹּת֙ בַּיֹּ֣ום הַשְּׁבִיעִ֔ מִכָּל־מְלַאכְתֹּ֖ אֲשֶׁ֥ר עָשָֽׂה׃
וַ[6]יְבָ֤רֶךְ[7] אֱלֹהִים֙ אֶת־יֹ֣ום הַשְּׁבִיעִ֔י וַיְקַדֵּ֖שׁ[8] אֹתֹ֑ו
כִּ֣י[9] בֹ֤ו שָׁבַת֙ מִכָּל־מְלַאכְתֹּ֔ו אֲשֶׁר־בָּרָ֥א אֱלֹהִ֖ים לַעֲשֹֽׂות׃ 




Tradução (minha):
1 Assim foram acabados os céus, a terra e tudo que existe neles. 2 No sétimo dia[10] Deus terminou a sua obra, e nesse dia descansou de tudo que fizera. 3 E Deus abençoou o sétimo dia[11], porque nele descansou de toda obra que criou.

v. 1 – Este primeiro versículo (que inicia com um vav conjuntivo – que, no caso, funciona como uma conjunção conclusiva) afirma o final da criação. E o verbo Kalah reforça a ideia de que a criação foi concluída por completo. Kalah (terminou) – está relacionado à conclusão de um processo, e tem ênfase em sua totalidade. O processo foi concluído por inteiro, completamente. O texto original traz “os céus, a terra e todo o seu exército” esta é uma referência a totalidade da criação: os céus, com todos os seus corpos celestes e animais voadores; a terra com todos os animais terrestres, aquáticos, plantas etc. o verbo kalah mostra ainda que tudo que Deus havia determinado para a criação foi terminado definitivamente. O processo criativo de Deus finalizou com a criação do homem. Este versículo retoma o texto de 1.1-31 e também reafirma a ação soberana, única e poderosa de Deus na criação. Mostra que aquilo que Deus determinou foi concretizado e finalizado. Mesmo que o verbo Kalah não tenha um sentido de perfeição a completude, com certeza o texto mostra esse sentido por ser Deus perfeito em tudo que faz.
v. 2 – De início o texto (a tradução literal) parece indicar que Deus ainda trabalhou no sábado antes de descansar. Mas isto estaria em desacordo com o primeiro versículo, que declara toda a obra da criação como já concluída. A melhor compreensão seria de que quando Deus descansou da obra da criação ele já a havia terminado. Também não é correto entender que Deus estivesse cansado de seu trabalho. No entanto, há uma clara sugestão de que a criação do universo foi um trabalho que Deus realizou, o verbo utilizado (shavat) remonta à ideia de um período de descanso após um ciclo de trabalho. Shavat (descansou) – cessar, desistir, descansar. Assim, a santidade do sábado tem suas raízes na comemoração jubilosa de Deus como criador e redentor no passado e na experiência da presença de Deus no descanso do sétimo dia como um sinal da aliança no presente. Como o guardar sábado (shabbat) só instituído na época de Moisés, o texto não está falando da prática de guardar o sábado, mas simplesmente de um período de descanso após a conclusão de um trabalho. O descanso de Deus foi um ato contemplativo e prazeroso do próprio Deus por tudo que havia sido criado. Deus deleitou-se por toda sua obra da criação.
v. 3 – O sétimo dia foi abençoado e santificado por Deus, o motivo foi o seu descanso. Barak (abençoou) – é o ato de abençoar alguém, pode ter um estreita relação com a palavra joelho, talvez pelo costume de se ajoelhar para receber alguma benção. No AT quer dizer “conceder poder para alcançar sucesso, prosperidade, fecundidade, longevidade etc.”. A benção de Deus tem conteúdo, ela capacita. De acordo com o DITAT, a benção de Deus não é só uma série de palavras ditas com boa intenção. Mas possui um conteúdo, e capacita o abençoado para o sucesso, ou seja, o período de descanso é abençoador. E o verbo qadash denota a separação deste dia como um dia especial, o dia de descanso foi separado como santo. Qadash (santificou) – no qal tem a conotação do estado daquilo que é santo/sagrado. No pi’el, como no texto, o ato pelo qual se faz essa distinção. Declarar algo como santo, ou tornar santo. Como em êxodo, na consagração do monte Sinai. Foram estabelecidos limites ao seu redor para que o profano não o atingisse/tocasse. Isso, como também o fato de o termo “dia sétimo” ser repetido três vezes no hebraico (e referido mais uma vez por um pronome) mostra a superioridade deste dia em relação aos outros. A partir do seu exemplo e da separação de um dia especial, santo, para descanso, Deus deixa um legado para a criação, o homem e sua posteridade. 

Síntese:
Deus é perfeito e tudo que criou também é perfeito. Ao final de sua criação o próprio Deus descansou e sentiu prazer em sua própria obra. Este descanso é um exemplo para o homem de que ele deve descansar em Deus regularmente, contemplar a obra Divina, sentir prazer, separar um tempo especial para Deus e sua obra. É ainda um tempo santo de trabalho prazeroso, reservado para Deus. Aquele que não dedica um tempo de descanso para contemplar a obra de Deus e para adorá-lo como pode afirmar crer no Deus criador? A partir de seu exemplo, o Eterno convoca toda humanidade a dedicar um tempo santo para adorá-lo

Teologia Bíblica: 
O fato de Deus ter descansado no sétimo dia ecoa pela narrativa Bíblica. Em Ex 20 no estabelecimento do decálogo o quarto mandamento é instituído com base em Gn 2.1-3. Deus ordena que seu povo reserve um dia de descanso especial, o sétimo. E assim deveria ser feito porque em seis dias Deus criou o mundo e ao sétimo descansou. Esse conceito era tão importante que nem mesmo animais deveriam trabalhar neste dia, e o descanso se estendia também à terra (Ex 23.10-12; Lv 25.1-7). Em Dt 5.12-15, quando Moisés reafirma a aliança com o povo de Israel, ele repete o decálogo, mas o quarto mandamento é resignificado. Ao invés de ser justificado com base no texto de Gn 2.1-3, Moisés o justifica com base na libertação do povo do Egito. Certamente Moisés não estava anulando a base do primeiro decálogo, mas complementando seu significado. Provavelmente o descanso que Israel obteve do Egito deveria ser relembrado, Deus deveria ser louvado pela redenção que deu ao povo. Isso se alinha com o significado espiritual que o autor de Hebreus dá (tanto baseado em Gn 2.1-3 quanto no Sl 95 e na desobediência do povo no deserto como registrado em Nm 14) ao fato de Deus dar descanso [celestial] aos que o obedecem. Nota-se, logo,  um claro desenvolvimento na "teologia do descanso", que começou com o exemplo de Deus e uma exortação para adorá-lo pela criação (AT) até a compreensão (completa) de que o descanso é a redenção de Deus (NT).

Shalom;
Maykon Renner.

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[1]Vav conjuntivo – “e” assim, quando, pois.
[2]Verbo kalah na 3 pes. Masc. Plu. Está no modo Pu’al (acabar algo, concluir, pôr um limite ou finalizar). Está na voz passiva, aqui o sujeito da passiva são céus e terra.
[3]Tseva’am – singular exército (essa palavra tem uma conotação militar, mas nesse contexto faz referência aos corpos celestes, os “exércitos” do céu).
[4]Verbo kalah no piel 3 pes. Mas. Sing. (acabou) Aqui deus é o sujeito da ação.
[5]Numeral ordinal “sétimo”. O sétimo dia.
[6]Este, e os outros vav’s do texto ligados ao imperfeitos são vav’s conversivos, indicam um passado narrativo.
[7]Pi’el na 3 p. m. s. de barak – abençoar.
[8]Piel 3 p. m. s. de qadash ­– consagrar, ser santo, santificar, dedicar, preparar.
[9]Partícula que expressa relacionamento causal, temporal. Pois, porque, mas certamente, por causa de...
[10]As expressões em destaque são referências a “sétimo dia” que ocorrem no texto original. Daí vê-se a importância da expressão no texto. Em dois versículos ela ocorre 4x.
[11]Algumas versões traduzem esta expressão como "sábado". No entanto, a palavra "sábado" não é a melhor tradução. Visto que o conceito do sábado judeu só surgiu no decálogo. E a ideia aqui é mais de uma ordem lógica dos dias.

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