terça-feira, 9 de outubro de 2018

A Bíblia e a questão da escravidão


Muitos questionam a Bíblia como fonte confiável de uma ética que valorize o ser humano como um ser com dignidade. Muitos a chamam de retrógrada e ultrapassada. Mas a verdade é que os primórdios do judaísmo apresentam uma proposta de ética que antecede a de nações consideradas mais “avançadas”. Começa pela valorização do ser humano como um ser portador (mesmo que manchada) da imagem de Deus. Entre estas questões éticas está a da escravidão. Pode ser um problema o fato de que a Bíblia não trate sobre algo que foi um problema social tanto na época do AT como do NT; não há nenhuma passagem bíblica que trate diretamente sobre tal tema. A epístola de Filemom parecia uma bom momento para que Paulo abordasse a questão, mas ele não o fez. Contudo, de forma resumida, o que mostraremos aqui é que uma análise mais atenta de alguns textos bíblicos sobre a questão, a legislação do AT sobre senhores e escravos, a ética proposta por Paulo em suas epístolas e a epístola de Filemom poderá mostrar que a escravidão é incompatível com a vida cristã neotestamentária.


A escravidão no Antigo Testamento

A escravidão foi uma prática bastante comum em todo o Antigo Oriente Médio. Mas escravidão praticada no AT era bem diferente da escravidão dos africanos no Brasil e em toda a américa. Havia no Antigo Testamento várias formas de alguém adquirir escravos:

1.    os escravos poderiam ser prisioneiros de guerra (Dt 20.10-12);

2.    outra possibilidade era através da compra de escravos estrangeiros (Lv 24.43-45);

3.    também havia a possibilidade de comprar alguém endividado ou pobre (Ex 22.3; Ne 5.1-5);

4.    ou quando alguém se entregava voluntariamente para escravidão por não ter como se sustentar ou à sua família (Lv 25.39).

A pesar de o AT não proibir a escravidão, encontra-se na Torá uma regulamentação a prática de modo que não houvesse abusos. Os escravos eram protegidos pela lei:

  • Um escravo deveria ser liberto depois de seis anos de trabalho (Ex 21.2-4), E quando liberto e não deveria sair de mãos vazias (Dt 15.13-14).
  • Um homem que se vendeu como escravo poderia a qualquer momento ser resgatado pelos seus parentes (Lv 25.48-49).
  • Os escravos não deveriam ser maltratados (Lv 25.53), se o fossem deveriam ser libertos como forma de indenização (Ex 21.26-27).
  • Se um homem se casasse com sua escrava esta não deveria mais ser tratada com escrava, ou, se lha desse em casamento a um filho seu, a escrava deveria ser tratada como filha. Se ela fosse maltratada poderia deixar seu esposo e tornar-se livre (Ex 21.10-11).
  • Os escravos também tinham direito à folga do sábado (Ex 20.10) e a participar das festas nacionais (Dt 16.10-11). Os escravos poderiam ser tão bem tratados que poderia ocorrer de eles amarem seus donos e desejarem permanecer como escravos seus até a morte (Ex 21.5-6, Dt 15.16).

A Torá mostra que desde o início da nação Israelita havia uma preocupação social também com os escravos. É claramente visível que ela põe alguma dignidade sobre os escravos, algo completamente incomum no Antigo Oriente Médio.


A escravidão no Novo Testamento

Na época no NT a escravidão era largamente praticada. Em Jerusalém havia um mercado voltado para o leilão de escravos. Em Roma havia muitos escravos e boa parte de sua economia era dependente disso. Os donos tinham autoridade sobre a vida do escravo e muitos eram maltratados e assassinados pelos seus donos. Quando libertos não tinham os mesmos direitos que um cidadão romano natural.

Com o advento do cristianismo, pessoas de todas as classes sociais foram convertidas, muitos senhores, escravos e ex-escravos foram alcançados e frequentaram as igrejas. Há orientações destinadas a eles em Efésios, Colossenses, 1 Coríntios, 1 Pedro e 1 Timóteo. Em resumo, escravos deveriam aprender a obedecer seus senhores e respeitá-los tendo em vista agradar a Deus com seu testemunho; os senhores deveriam tratar bem seus escravos sabendo que eles também carregavam a imagem de Cristo neles.

            Diante desse cenário não há dúvidas de que eventualmente os cristãos do NT foram levados a libertarem seus escravos. Pois a comunhão da qual deveriam desfrutar, escravos e senhor, era incompatível com a prática da escravidão. Se os senhores compreenderam realmente o ensino de Ef 2.9 certamente teriam uma visão mais humanizada de seus servos. Em 1 Co 7.21 Paulo diz que os escravos deveriam buscar sua liberdade se for possível. Olhando para a situação de Filemom e Onésimo, vemos que Paulo eleva o padrão de relacionamento deles de modo que permanecer na situação de escravidão seria incompatível (Fm 16). Ainda, um ponto importante é que Paulo esperava que Filemom fosse além de seu pedido de perdão (Fm 21). E, mesmo não sendo possível comprovar, é bastante provável que a libertação de Onésimo estivesse envolvida nessa declaração. O que seria maior que perdoar as ofensas de um escravo, esquecer os prejuízos que ele deixou e recebê-lo com amor em seu lar como alguém da família? Libertar o escravo seria, provavelmente, o passo seguinte.

             Portanto, mesmo que não tenhamos uma exortação específica na Bíblia voltada para a abolição da escravatura, a mensagem do evangelho e a ética cristã (bíblica) tornam essa prática antagônica ao cristianismo. Ao invés de uma força pressionando por fora, o evangelho destrói essa prática por dentro. O contexto social é transformado a partir da transformação espiritual dos crentes, como no caso de Filemom e Onésimo.

Shalom;
Maykon Renner.

2 comentários:

  1. Nós cristãos não entendemos muito bem o assunto "escravidão". Ótima abordagem e que o Eterno ilumine seu conhecimento.

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  2. Parabéns grande Renner. Excelente artigo!!!!

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