Muitos
questionam a Bíblia como fonte confiável de uma ética que valorize o ser humano
como um ser com dignidade. Muitos a chamam de retrógrada e ultrapassada. Mas a
verdade é que os primórdios do judaísmo apresentam uma proposta de ética que
antecede a de nações consideradas mais “avançadas”. Começa pela valorização do
ser humano como um ser portador (mesmo que manchada) da imagem de Deus. Entre
estas questões éticas está a da escravidão. Pode ser um problema o fato de que a
Bíblia não trate sobre algo que foi um problema social tanto na época do AT
como do NT; não há nenhuma passagem bíblica que trate diretamente sobre tal
tema. A epístola de Filemom parecia uma bom momento para que Paulo abordasse a
questão, mas ele não o fez. Contudo, de forma resumida, o que mostraremos aqui é que uma análise mais atenta de alguns textos
bíblicos sobre a questão, a legislação do AT sobre senhores e escravos, a ética
proposta por Paulo em suas epístolas e a epístola de Filemom poderá mostrar que
a escravidão é incompatível com a vida cristã neotestamentária.
A
escravidão no Antigo Testamento
A
escravidão foi uma prática bastante comum em todo o Antigo Oriente Médio. Mas
escravidão praticada no AT era bem diferente da escravidão dos africanos no
Brasil e em toda a américa. Havia no Antigo Testamento várias formas de alguém
adquirir escravos:
1. os
escravos poderiam ser prisioneiros de guerra (Dt 20.10-12);
2. outra
possibilidade era através da compra de escravos estrangeiros (Lv 24.43-45);
3. também
havia a possibilidade de comprar alguém endividado ou pobre (Ex 22.3; Ne
5.1-5);
4. ou
quando alguém se entregava voluntariamente para escravidão por não ter como se
sustentar ou à sua família (Lv 25.39).
A
pesar de o AT não proibir a escravidão, encontra-se na Torá uma regulamentação
a prática de modo que não houvesse abusos. Os escravos eram protegidos pela lei:
- Um escravo deveria ser liberto depois de seis anos de trabalho (Ex 21.2-4), E quando liberto e não deveria sair de mãos vazias (Dt 15.13-14).
- Um homem que se vendeu como escravo poderia a qualquer momento ser resgatado pelos seus parentes (Lv 25.48-49).
- Os escravos não deveriam ser maltratados (Lv 25.53), se o fossem deveriam ser libertos como forma de indenização (Ex 21.26-27).
- Se um homem se casasse com sua escrava esta não deveria mais ser tratada com escrava, ou, se lha desse em casamento a um filho seu, a escrava deveria ser tratada como filha. Se ela fosse maltratada poderia deixar seu esposo e tornar-se livre (Ex 21.10-11).
- Os escravos também tinham direito à folga do sábado (Ex 20.10) e a participar das festas nacionais (Dt 16.10-11). Os escravos poderiam ser tão bem tratados que poderia ocorrer de eles amarem seus donos e desejarem permanecer como escravos seus até a morte (Ex 21.5-6, Dt 15.16).
A Torá mostra que desde
o início da nação Israelita havia uma preocupação social também com os escravos.
É claramente visível que ela põe alguma dignidade sobre os escravos, algo
completamente incomum no Antigo Oriente Médio.
A
escravidão no Novo Testamento
Na
época no NT a escravidão era largamente praticada. Em Jerusalém havia um mercado
voltado para o leilão de escravos. Em Roma havia muitos escravos e boa parte de
sua economia era dependente disso. Os donos tinham autoridade sobre a vida do
escravo e muitos eram maltratados e assassinados pelos seus donos. Quando
libertos não tinham os mesmos direitos que um cidadão romano natural.
Com
o advento do cristianismo, pessoas de todas as classes sociais foram convertidas,
muitos senhores, escravos e ex-escravos foram alcançados e frequentaram as
igrejas. Há orientações destinadas a eles em Efésios, Colossenses, 1 Coríntios,
1 Pedro e 1 Timóteo. Em resumo, escravos deveriam aprender a obedecer seus
senhores e respeitá-los tendo em vista agradar a Deus com seu testemunho; os senhores
deveriam tratar bem seus escravos sabendo que eles também carregavam a imagem
de Cristo neles.
Diante desse cenário não há dúvidas de que eventualmente
os cristãos do NT foram levados a libertarem seus escravos. Pois a comunhão da
qual deveriam desfrutar, escravos e senhor, era incompatível com a prática da
escravidão. Se os senhores compreenderam realmente o ensino de Ef 2.9
certamente teriam uma visão mais humanizada de seus servos. Em 1 Co 7.21 Paulo diz
que os escravos deveriam buscar sua liberdade se for possível. Olhando para a
situação de Filemom e Onésimo, vemos que Paulo eleva o padrão de relacionamento deles de
modo que permanecer na situação de escravidão seria incompatível (Fm 16).
Ainda, um ponto importante é que Paulo esperava que Filemom fosse além de seu
pedido de perdão (Fm 21). E, mesmo não sendo possível comprovar, é bastante
provável que a libertação de Onésimo estivesse envolvida nessa declaração. O
que seria maior que perdoar as ofensas de um escravo, esquecer os prejuízos que
ele deixou e recebê-lo com amor em seu lar como alguém da família? Libertar o
escravo seria, provavelmente, o passo seguinte.
Portanto, mesmo que não tenhamos uma exortação
específica na Bíblia voltada para a abolição da escravatura, a mensagem do
evangelho e a ética cristã (bíblica) tornam essa prática antagônica ao
cristianismo. Ao invés de uma força pressionando por fora, o evangelho destrói
essa prática por dentro. O contexto social é transformado a partir da
transformação espiritual dos crentes, como no caso de Filemom e Onésimo.
Shalom;
Maykon Renner.
Nós cristãos não entendemos muito bem o assunto "escravidão". Ótima abordagem e que o Eterno ilumine seu conhecimento.
ResponderExcluirParabéns grande Renner. Excelente artigo!!!!
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